Mudanças com Huck e Mion marcam nova era no entretenimento da Globo

Emissora não se acomodou com liderança confortável dos últimos anos e resolveu apostar em mudanças, com Mion no Caldeirão e Huck no Domingão

O país vai assistir a um capítulo importante da história da televisão brasileira neste final de semana. Desde o final dos anos 1990, quando quebrou a política da boa vizinhança com a concorrência, arrebatando nomes como Ana Maria Braga, Jô Soares, Serginho Groisman e Luciano Huck para a programação, a Globo não promove uma mudança tão profunda em sua grade quanto a que será consolidada nas próximas horas, com a estreia de Marcos Mion à frente do Caldeirão e de Huck, nos domingos.

Enquanto a reestruturação realizada pela empresa em 1999 ocorreu em meio a uma das maiores guerras por audiência já enfrentadas contra as concorrentes SBT, Record e Band pelas tardes tardes de sábado e domingo, a transformação conduzida atualmente por Ricardo Waddington mostra que a empresa não se acomodou com a liderança confortável que conquistou nos últimos anos. E ninguém melhor para protagonizar esse movimento de mudança que elenco carismático de apresentadores, reforçado com a chegada de Mion.

“Waddington nunca foi um profissional que prezasse pelo comodismo”, observa a colunista do Metrópoles, Carla Bittencourt, com otimismo. “Não seria agora, num cargo com ainda mais poder e possibilidades de promover mudanças. Acredito que a televisão ganha um gás novo, as pessoas voltam a se interessar, o mercado publicitário se aquece. E a Globo ganha um ar mais moderno”, opinou a autora de O Melhor da TV.

Na avaliação de Fernando Morgado Duarte, professor de televisão das Faculdades Integradas Hélio Alonso e autor dos livros Comunicadores S.A. e Silvio Santos – A Trajetória do Mito, ao contrário do que muitos pensaram, a televisão aberta continua sendo extremamente relevante no Brasil e grande parte disso se deve à forte relação existente entre o público e os artistas, com destaque para os apresentadores.

“Não por acaso, foram os apresentadores que, nos anos 1960, lideraram o processo de popularização da TV. Figuras como Blota Jr., Chacrinha, Dercy Gonçalves, Flávio Cavalcanti, Hebe Camargo, J. Silvestre e Silvio Santos. Além de atraírem grandes audiências, muitos apresentadores também colaboram com a comercialização dos programas. Sendo assim, esses movimentos recentes da Globo visam renovar e, por conseguinte, manter um negócio que é extremamente lucrativo para ela”, analisa o crítico de TV.

Gincana de apresentadores

Embora a saída de Fausto Silva, sem direito à despedida do Domingão, tenha sido um movimento arriscado, a emissora carioca tem dado sinais de que sabe o que está fazendo. Tiago Leifert surpreendeu à frente do Super Dança e Mion chegou entusiasmando todo mundo, com a narrativa de que está vivendo um sonho. “O público parece ter botado o Mion no colo”, confirma Carla Bittencour.

O ex-Record, portanto, não deve encontrar dificuldades para fisgar a audiência. Pelo contrário. “Além de o Mion ser muito bom comunicador tem o fato de ser um profissional que saiu da concorrência. Isso gera burburinho, mídia, as redes sociais enlouquecem. Fora isso, o público pedia o Marcos Mion na Globo. Ele já tem meio caminho andado para o sucesso, que é a aceitação das pessoas, que estão vibrando com a contratação dele. Não teria porque não aproveitar esse clamor e contratá-lo. Fora que é uma novidade. E a novidade faz os olhos de todo mundo virarem para ele”. Carla Bittencourt, colunista do Metrópoles

Nesse cenário, alerta Fernando Morgado, o maior desafio é de Huck, na Globo, e Faustão, na Band, em 2022.

“Ainda que os apresentadores possuam uma grande e inegável força pessoal, o sucesso deles também depende de atrações de impacto e de uma grade de programação que garanta boa base de audiência e forte divulgação. A Globo tem tudo isso. Dessa forma, acredito que tanto Marcos Mion quanto Luciano Huck alcançarão bons resultados. Contudo, é preciso ressaltar que o desafio de Huck será gigantesco, pois ele assumirá um horário que há mais de 30 anos tem a cara do Faustão e enfrentará uma concorrência que consegue resultados relevantes mesmo sem dispor da estrutura global”, opina Fernando.

“O desafio de Faustão também será enorme, pois deverá recolocar a Band na briga pela audiência no horário nobre, reativando uma faixa que há quase duas décadas é ocupada por um programa religioso. É preciso, portanto, entender que se tratam de contextos bem diferentes. A régua para medir sucesso na Globo não pode ser a mesma a ser usada para medir sucesso na Band”, completa o autor.

Fernando Morgado, professor e autor de livros sobre a história da TV brasileira
Apelo dos veteranos

Ao que tudo indica, as mudanças planejadas pela Globo estão apenas no início e ainda passarão por testes. Mion, por exemplo, foi escalado para permanecer no Caldeirão apenas até o final do ano, quando o programa exibiria seu último episódio e o apresentador passaria a se dedicar a outros projetos, entre eles um reality no Multishow. Contudo, nos bastidores da Globo, a informação que circula após o primeiro dia de gravações do ex-Fazenda é que Boninho já pensa em efetivá-lo à frente da atração em 2022.

As transformações no canal também incluem um espaço para Ivete Sangalo apresentar um programa nos moldes do Música Boa, do Multishow, aos sábados; e a exibição da versão brasileira de Drag Race, por Xuxa, ainda sem previsão de estreia.

Aliás, na opinião de Carla Bittencour, a escalação de Xuxa para o reality de drags queens popularizado por Rupaul’s nos EUA, em detrimento de drag consagradas como Pabllo Vittar, mostra a força que figuras tradicionais ainda têm no mercado televisivo, sobretudo com anunciantes.

A escalação de Xuxa para apresentar a versão brasileira de Drag Race gerou polêmica, mas faz sentido

“Uma vez, estava entrevistando o Serginho Groismann e perguntei se ele não ficava frustrado em ter um programa num dia e horário em que as pessoas estavam na rua. E ele respondeu: ‘A maioria das pessoas está em casa no sábado à noite. A maioria das pessoas não tem dinheiro pra sair e badalar e está em frente à TV’. E isso me fez pensar fora da minha bolha nesse assunto”, explica.

“O streaming é uma realidade? Claro. Mas a maioria dos brasileiros não tem acesso a isso, não. A maioria vê TV aberta mesmo e gosta das figuras tradicionais. Mudar isso é difícil e leva tempo. O brasileiro não tem dinheiro para comprar carne direito, vai pagar serviço de streaming? Ou seja, grande parte vê Faustão no domingo mesmo. E vai ver a Xuxa quando ela voltar. Ela ainda tem muito apelo com audiência e anunciante. Bota a Xuxa em Madureira [subúrbio do Rio] pra ver se ela ainda não é popular?”, analisa a colunista do portal.

Novas promessas

Embora o retorno de Mion e Xuxa levantem questionamentos sobre um futuro com ver Celso Portiolli, Rodrigo Faro, Eliana, Galisteu e outros apresentadores já consagrados, Fernando Morgado acredita que a Globo não deve mais “fazer compras” na concorrência. Ele também sugere que a emissora possa aproveitar o momento para fortalecer seus próprios talentos. “Há uma pessoa na Globo que, na minha opinião, tem tudo para se posicionar como uma das grandes apresentadoras da TV no futuro: Ana Clara Lima”, diz.

“Ela tem carisma, bom humor e muita técnica, atributos fundamentais no campo da apresentação. Ela merece ter espaço para continuar a se desenvolver e expor a sua personalidade, sem engessá-la em fórmulas pré-fabricadas. Se isso lhe for garantido, estou certo que ela terá um futuro brilhante na Globo ou em qualquer outro canal”, aposta Fernando Morgado.

 

Fonte: Ranyelle Andrade/Metrópoles

Comentários