Carol Duarte comenta desafios de atuação em italiano em La Chimera

Filme Italiano La Chimera de Alice Rohrwacher, que tem Carol Duarte, Isabella Rossellini e Josh O’Connor no elenco

La Chimera, filme italiano sobre a pilhagem arqueológica e a venda ilícita de artefatos históricos, estreia no Brasil nesta quitna-feira (25/4). No longa, dirigido por Alice Rohrwacher, está a atriz brasileira Carol Duarte.

Ela vive uma jovem transgênero e, em entrevista ao Metrópoles, durante o último Festival de Cannes, falou sobre o processo de atuar em italiano.

“Acho que a Alice [Rohrwacher] é uma diretora muito particular e que minha entrada delimitou o fato de que a Itália seria brasileira ou falaria português”, comentou Carol.

A atriz aproveita para explicar a personagem: “Nada é muito explicativo no filme, nem a personagem, nem eu sei como ela foi parar lá. Eu criei pra mim que é essa mulher que está se virando”.

Leia a entrevista com Carol Duarte, realizada em Cannes, em 2023:

Metrópoles: No começo do filme, cheguei a pensar que sua personagem era italiana mesmo, mas aí tem umas pistas: você começa a falar de madeira, jacarandá, saudade… E depois você fala português. Em vez de perguntar como é que você foi parar no filme, quero saber como a sua personagem foi parar na Itália. Você sabe?

Carol Duarte: Que ótima essa pergunta. Não sei. Acho que a Alice [Rohrwacher] é uma diretora muito particular e que minha entrada delimitou o fato de que a Itália seria brasileira ou falaria português.

Quem fala português percebe que sou brasileira quando me escuta falando o idioma brasileiro, mas tem gente que talvez nem identifique, né? Pessoas que não são falantes da língua portuguesa. Mas nada é muito explicativo no filme, nem a personagem, nem eu sei como ela foi parar lá.

Eu criei pra mim que é essa mulher que está se virando, que chegou ali e que viu um anúncio dizendo “aulas de canto em troca de hospedagem”, e aí tinha que limpar a casa da mulher e disse: ‘é pra lá mesmo que eu vou’.

Uma casa enorme… Uma mãe solteira, que não se prende por pouco, que tem uma liberdade muito grande, uma coragem nesse personagem, eu acho que a Alice trabalha muito pouco com esse processo bem dramático, de onde vai, de onde vem… A gente está sempre meio numa corda bamba entre o o cômodo e o drama, não é tão cômico e não é tão dramático, quando ia muito pro drama ela puxava de volta, quando eu ia muito pro cômico ela me puxava de volta, então eu me senti sempre buscando, num fluxo mesmo.

Metrópoles: É um filme sobre um certo “desenterrar uma forma do passado”, um passado histórico, mas os personagens também tem seus passados. Estejam eles fugindo dele ou ainda tentando viver um pouco de seu antigo glamour. Por ser um processo muito naturalista, de corda bamba, de procurar “ser como a vida”, sem explicações diretas, tanto no filme, eu acho, quanto no processo que ela usa pra filmar… Como era a relação entre atores e personagens, no sentido de discutir motivações, personagens?

Carol Duarte: É muito particular isso mesmo porque o Josh [O’Connor], por exemplo, a gente conversou, mas teve pouco processo de ensaio e as coisas se deram muito na ação mesmo, no construir. Com a Isabella [Rossellini], a gente tem uma relação muito próxima no filme, aconteceu uma coisa muito legal que foi eu ficar um tempo com ela, hospedada com ela. E a gente acabou ficando próxima, conversando muito, jantando todos os dias. Assim rolou uma aproximação mais pessoal e a gente discutia as personagens também.

Mas ali você tem um dado que é muito da ação. O fazer. Então se eu viesse, talvez, com uma grande ideia que eu tirei de uma conversa com Isabela ou com o Josh, talvez não servisse pra nada, entendeu? Eu acho que o grande exercício pros atores do filme era estar disponível, aberto, com as informações que tínhamos da cena, do objetivo, do que
precisávamos fazer. E aí eu acho que as coisas vão se estruturando ao redor, muito a partir da maestria dela, da visão dela e do que ela queria.

Metrópoles: Foi um método novo para você?

Carol Duarte: Bom, essa é a segunda vez que eu tô em Cannes. Esse é meu segundo filme. O primeiro filme foi com o Karim [Aïnouz, diretor], onde eu tive um mês de preparação, eu não conhecia a Julia Stockler, e a gente teve que criar um diário de personagem, do passado dessas duas irmãs. Criar a densidade desses personagens, criar memória, criar um monte de coisa que em algum lugar pra mim é mais conhecido. Com a Alice tinha lá meu diário que eu escrevia, aquelas coisas que eu sei fazer, né? Quando cheguei lá não era isso. Então, tive um pouco também que limpar quais eram poucos meus métodos para receber esse jeito dela de fazer cinema.

Então tinha hora que eu fazia o oposto do que eu fiz no primeiro take, entendeu? Acho que ela vai testando, vai vendo. Então foi muito uma experiência muito nova pra mim. Também em outra língua, né?

Metrópoles: Você já falava italiano?

Carol Duarte: Falava um pouco de italiano. Escutei muito italiano, minha companheira é metade italiana, metade brasileira, minha sogra é professora de italiano. Já é um caminho, mas depois eu tive que estudar mais, a musicalidade, o sotaque. É muito doido perceber que a gente tem musicalidades diferentes, apesar do italiano e do português serem línguas irmãs.

Metrópoles: Você falando desse processo de atuação, senti curiosidade sobre o roteiro, de como funcionava, se era um roteiro definitivo.

Carol Duarte: A Alice que escreve o roteiro, e é ela que dirige. Eu acho que ele é meio vivo pra ela, mas as cenas precisavam ser feitas daquele jeito e às vezes ela mudava uma fala, mudava falas inteiras, pra ir testando. Então, pra ela era um processo muito aberto, de onde ela estava conduzindo. Mas para nós, atores, não era um lugar tanto de improviso, não. Inclusive, ela é uma diretora que sabe bem o que ela quer. O que é muito bom.

Então “não faça isso”, “vá para casa”, “faça isso”. Às vezes pra mim parecia milimétrico, um “dar dois passinhos e não ir”, movimentações que funcionavam quase como uma partitura, mantendo a vivacidade, mantendo a vida dela. Então, apesar de ser aberto, ela também é uma diretora que se fecha.

E tem uma parceria com o elenco, com a Hélène [Louvart, diretora de fotografia] muito forte, elas se se entendem muito bem. Uma dança delas, elas se sacam.

Metrópoles: Você já tinha visto o filme?

Carol Duarte: Já.

Metrópoles: Gostaria de contrastar essas duas experiências: ter assistido ao filme antes da estreia e não tê-lo assistido.

Carol Duarte: No Vida Invisível, quando a gente estava passando pelo tapete vermelho, eu pensava: ‘meu Deus, eu não vi o filme. Essas pessoas estão todas aqui para assistir. Se eu estiver horrorosa, essas pessoas todas vão assistir comigo, vão olhar pra minha cara’. Claro que dá insegurança, né?

Por mais que confie, obviamente, no diretor, em todo mundo, é um “pular” mesmo. É uma emoção muito forte. Eu sentia muita coisa assistindo ao filme, também porque não tinha visto as cenas da Júlia, da Guida, não sabia o que ia entrar. Eu me emociono também ao descobrir o filme, né? Descobrir como é que eles montaram, como estava ali, como estava a Guida na sequência. Aquilo foi muito, muito especial.

Agora, me dá um pouco mais de tranquilidade, querendo ou não. Porque eu sei o filme, eu sei da personagem, porque uma coisa é fazer a personagem, outra coisa é ver ela ser projetada, entender quem ela é fora de mim.

É muito doido isso. Porque até então você vai fazendo, confiando, entendendo, estudando, articulando, movendo a personagem, diferente do teatro, né? Aí você vê ela, um recorte dela existindo. Confesso que é mais tranquilo. Ir para o tapete vermelho sentar naquela sala, tão imponente, sabendo um pouco já o que é o filme.

Metrópoles: Para alguns atores não é tranquilo se ver na tela…

Carol Duarte: Para mim é terrível, nossa, é muito difícil se ver. Eu não gosto de me ver. Por exemplo, no set. Quando alguém fala: “vem aqui ver tal coisa, para poder corrigir”, eu respondo “Não, não. Me fala”. Se eu me vejo, eu não tenho a capacidade — talvez eu tenha um dia — de separar as coisas, ter um olhar crítico que vá me ajudar. Normalmente, vai me prejudicar.

Quando eu me vejo é estranhíssimo para mim. Quando me perguntam: “o que você achou? Como é que você está no filme?”, eu falo “gente, não sei, não posso dizer”. Não consigo ter essa análise do trabalho.

O Vida Invisível, por exemplo, se hoje eu revejo, eu consigo ter um pouco mais de visão sobre ele. Já se passaram alguns anos, ele está mais longe e eu consigo ter um pouco mais de distanciamento. Eu também não sei, porque não revi, mas… eu passo mal assim eu fico doente.

Metrópoles: Você falou que nesse filme houve pouco ensaio. Como foi pra você essa experiência? É comum a gente ouvir de diretores, atores, que o take que eles menos esperavam, muita vezes é o melhor take. Ter menos ensaio pode ajudar nessa questão de deixar a cena mais orgânica?

Carol Duarte: É interessante essa pergunta porque eu acho que vai depender muito da sintonia dos atores com a direção de antes. Mesmo que não tivesse ensaio. No meu caso, quando eu cheguei em Roma, eu fiz uma quarentena de dez dias sozinha em Roma, a gente estava com a Covid-19 super presente e eu fui conhecer a Alice na “cara do gol”. E naquele momento foi um pouco desesperador pra mim.

Porque eu vi os filmes dela, eu tô sabendo um pouco a linguagem dela, mas eu preciso como atriz no palco chegar no mundo dela. Com o Karim, eu cheguei no mundo dele, de como ele queria construir aquilo. No caso da Alice eu fiquei tateando muito no início. Também, porque é uma personagem que não dá para chegar e falar assim: “A Itália é isso aqui, você vai fazer isso”. Isso não existe no filme, não existe mesmo depois dele pronto, quanto mais enquanto estávamos fazendo. Não foi simples.

Ao mesmo tempo, tem esse frescor que você falou. Quando a gente achou que… A câmera já estava filmando. Mas eu fico lembrando, por exemplo, do meu primeiro dia, até achar… não foi simples. Era a minha primeira vez em outra língua. Então também não é simples você abrir a boca…

Ao mesmo tempo, quando a gente descobre, a câmera já captou, a gente consegue elaborar melhor também. E pensar no dia seguinte: “bem, tem isso agora. A gente vai pegar mais isso dela”.

Você vai construindo junto com tudo: o cenário, figurino… Tudo junto te faz estar presente, criando na hora. Mas é difícil, às vezes, estar no momento presente, tendo que dar conta de tantas indicações e estar potente assim. Pra mim foi um desafio.

 

Fonte: Luiz Oliveira/Metrópoles

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